O nome de família revela as suas origens, Marnoto é o homem que trabalha nas salinas, João Pedro é natural do Porto mas um relacionamento levou-o para Alijó onde, à medida que ia desenvolvendo a sua vida profissional, cresceu o projeto que agora resulta num filme documentário de 12 episódios. “9 Meses de inverno, 3 de inferno” é um retrato “visceral” do Douro e Trás-os-Montes.
Formado em fotografia, foi nessa área que desenvolveu a sua vida profissional por terras durienses. Em conversa com a nossa reportagem João Pedro Marnoto conta que o primeiro trabalho que desenvolveu na região foi para a autarquia de Alijó, “andei durante 1 ano a explorar o território para a autarquia fazer um daqueles livros promocionais do concelho”, algo que lhe permitiu “investir muito mais na fotografia documental, uma área que sempre me agradou”.
Ao longo de 10 anos de vivência na região João Pedro foi fazendo diversos contactos que lhe permitiram conhecer a região “melhor que muitas pessoas naturais do território”, viajando entre um Douro “que não precisa de adjetivos” e Trás-os-Montes que “é mais cru, com menos riqueza e parece que fica longe de tudo”, o que, do seu ponto de vista “é bom, de certa forma, porque ajuda a que as tradições se perpetuem ainda mais no tempo”.
Para o realizador este trabalho é fruto “relação do Homem com a terra, a fé e o progresso. Com a terra por uma relação muito mais visceral que vem do trabalho, do abrir a janela de manhã e sentir o ar puro; Com a fé porque esta experiência fez-me olhar para a religião com outros olhos, temos tempo para parar e falar connosco próprios e com o Deus que acreditamos, algo que na cidade hoje não conseguimos fazer porque a vida é cada vez mais rápida; Com o progresso é aquele jogo entre as tradições, o passado e o futuro”.
Ao contrário do “Fé nos burros”, o primeiro filme de João Pedro Marnoto sobre a região mas que “é leve e tem até alguns momentos de comédia”, o “9 meses de inverno 3 de inferno” é “mais visceral, é uma imagem da região no bem e no mal”.
“Naturalmente que alguém de fora, chega e tem uma visão diferente, tal como eu tinha no início, um certo ‘olhar paternalista’ da cidade sobre o campo, como eu costumo dizer. Contudo, com o passar do tempo ficamos a conhecer a região e o nosso olhar também modifica, desconstróis as ideias pré-concebidas que tinhas antes.
Em 2018 fiz uma digressão, uma espécie de cinema ambulante, para exibir o filme em diferentes aldeias da região, e uma das coisas que mais me agradou foi as pessoas agradecerem o trabalho que eu tinha feito por não ter exatamente esse olhar mais “paternalista” que uma pessoa de fora poderia ter. Foi muito ver que as pessoas reconheciam isso, é sinal que fizemos o trabalho bem feito”.
Depois de uma exposição fotográfica que tem corrido a região desde 2017 e que em breve chegará à cidade do Porto, e de um livro já publicado, este trabalho é agora exibido em filme num formato diferente, dividido em 12 episódios que têm a duração de 5 a 10 minutos cada um, percorrendo um ano na vida da região.
“A ideia de subdividir o filme tem um lado de marketing porque assim posso andar durante um ano a fazer publicidade ao filme e ao meu trabalho. Outra razão é também porque hoje em dia ninguém fica 1 hora e meia a ver um filme online, desta forma as pessoas podem ver o episódio de uma forma rápida porque os episódios têm entre 5 e 10 minutos.
O trabalho está feito de forma cronológica, acompanho o evoluir natural da natureza começando com a poda e acaba na altura das vindimas, por isso os episódios serão exibidos no mesmo tempo, o primeiro começou em novembro e irei terminar agora em 2021 na época das vindimas”.
Com dois episódios já online, João Pedro Marnoto revela-nos que as reações têm sido bastante positivas recordando mesmo uma mensagem que recebeu de uma pessoa, natural da região que neste momento está emigrada na Dinamarca.
“Há uma pessoa que agora vive na Dinamarca que, quando viu o primeiro episódio, me enviou uma mensagem de voz em que se notava claramente que estava a chorar porque lhe avivou uma série de memórias de infância com o pai e a avó. São este tipo de reações que fazem acreditar que o trabalho está realmente bem feito e que retrata bem a vivência naquele território”.
“9 meses de inverno, 3 de inferno” é assim resultado de um filho do litoral que se deixa adotar por um território repleto de tradições e gentes únicas, num retrato real.