Planalto deixa “marcas” permanentes em Moimenta da Beira

0

Das exposições e instalações que o Planalto – Festival das artes trouxe a Moimenta da Beira, executadas pelas mais diversas sensibilidades dos artistas convidados, três ficam para sempre, marcando a presença da 2ª edição do evento. Ficará ainda para sempre o legado ecológico das mil árvores plantadas no antigo estádio.

Os trabalhos selecionados para permaneceram estão: 1) o trabalho do street artist mynameisnotSem (Filipe Granja), com utentes de Artenave que resultou num painel de azulejos para a vida; 2) a instalação “Em Queda Livre”, no antigo campo de futebol do Matão, de Bruno José Silva; 3) “OCTO”, a transformação do quiosque da Praça Comandante Requeijo, ao qual foi dado um novo conceito, através da pintura de Mariana PTKS.

Uma passagem que alterou o território e lhe acrescentou algo, representando a forma como a paisagem visual, cultural, natural, ou artística pode ser um pólo atrativo de turistas e habitantes. Se o painel pintado pelos utentes da Artenave – instituição destinada a pessoas com necessidades especiais – é ternura e encanto, o trabalho de Bruno José Silva no Matão é algo inesperado. Apesar de parecer um gradeamento, o uso da técnica lenticular faz com que vão aparecendo imagens, três planos sobrepostos, consoante a localização do visitante.

Feita em exclusivo para o Planalto, a instalação “é tanto uma homenagem à aldeia da Faia, submersa na década de 60 devido à construção da barragem do Vilar, quanto uma referência ao desacelerar da experiência no tempo”, refere o artista, que tem também uma instalação na Galeria Municipal Luís Veiga Leitão, “antológica”, inspirada na tríade trabalho-território- paisagem, em que recorre às suas obsessões, ordenando o seu projeto “por um percurso de desenvolvimento segundo diretrizes como a derrocada, o cataclismo e a (des) ordem”.

Do agrado da população foi a nova roupagem do quiosque das tílias, como lhe chamam localmente. Passou de verde escuro a um lilás, verde claro, rosa, decorado estrelas e a lua, conferindo-lhe uma aura de misticismo.

No Terreiro das Freiras, André Picardo exibiu um conjunto de 17 fotografias em que a realidade se mistura com a ficção. Ou não. Há elementos que não se sabe se foram colocados pelo artista ou se já existiam. “A dada altura começa a ficar ambíguo o que é real e o que não é”. A própria dimensão do que é fotografado pode ter sido alterada. Ou a composição de cores. Há conjuntos que se aliam por determinada ligação. Mas que podem não ter nada a ver. “Às vezes o inusitado é que confunde”, revela.

Guilherme de Sousa e Pedro Azevedo criaram outra das instalações emblemáticas do evento: “O Horto – Uma Forma Que Vem do Toque”. A partir da ideia de uma estufa com plantas artificiais, os visitantes puderam ver de fora e, depois um a um, passar por duas bancadas e introduzir-se através de buracos até à altura das plantas, interagindo com elas. Segundo Guilherme de Sousa, o conceito é que, tal como os seres humanos, as plantas beneficiam dos carinhos e de cuidados.

Uma edição de sucesso que enriqueceu Moimenta

Se paira já no ar um certo sentimento de nostalgia com o fim da segunda edição do Planalto – Festival de Artes, há, por outro lado, uma sensação de enriquecimento que o diretor do evento, Luís André Sá, conseguiu proporcionar através de um programa coeso, de todos e para todos, num envolvimento entre pessoas, Natureza e arte feito de momentos inesquecíveis. Se os desafios são muitos e o futuro incerto, ficou vincada a ideia de que cada região pode, através dos seus recursos culturais, paisagísticos, humanos, preparar-se para os enfrentar.

Esta luta contra as adversidades, que são contínuas, implicam a transformação das paisagens e farão desaparecer no futuro certos meios de subsistência, como já acontece em algumas terras com o desaparecimento de olivais em Beja ou dos icónicos campos de trigo ao vento, junto ao Alqueva, outros lhe darão lugar, sem que isso implique o fim de uma identidade cultural.

O território de afetos, termo que alguns especialistas da geografia recusam usar, por ser “escorregadio”, tornou-se evidente durante este festival. Os chamados “pontos de encontro” juntaram pessoas que não se viam e incentivou-as a conversar e a comentar espetáculos e eventos. A cultura une as pessoas, atrai visitantes, reforça a identidade de pertença e traz lucros. Daí que o professor catedrático da Universidade de Coimbra, João Maria André, tenha defendido que a “cultura tem de ser um investimento feito todo o ano”.

Ou que a diretora executiva das Aldeias Históricas de Portugal, Dalila Dias, tenha insistido no aproveitamento do potencial local, de forma única e sustentada. Sem copiar modelos. E o concelho de Moimenta da Beira tem esse potencial. Os moimentenses são orgulhosos das suas tradições e das suas raízes, não sofrem ainda do desfasamento identitário de que falou o doutorado em Geografia Humana, Álvaro Domingues, que acredita que vivemos em “sociedades líquidas” em que o conceito de “a minha terra” tende a desaparecer.

O Planalto – Festival das Artes veio reforçar a certeza de que ainda não chegamos aí. A visita à Serra de Leomil, a título de exemplo, levou mais de 50 pessoas, guiadas pelo arqueólogo José Carlos Santos, a ver os penedos exuberantes, a maior parte delas já conhecedoras daquela maravilhosa arte natural.

Sofia Dias e Vítor Roriz fecharam a última noite do festival com selo de ouro, com o espetáculo “Um Gesto que Não Passa de Uma Ameaça”, após o qual se seguiu uma conversa com a professora de Filosofia, Lucília Lourenço.