O trabalho de dois arqueólogos da Associação de História e Arqueologia de Sabrosa, que recriaram um vinho da época romana, leva-nos numa viagem de séculos guiados por sabores e aromas de outros tempos.
“Ao bebermos este vinho estamos a fazer uma viagem pelos sabores da história”, a afirmação é de Gerardo Vidal Gonçalves, um dos arqueólogos responsáveis por este projeto, à reportagem do VivaDouro.
Segundo o investigador, o “Anphoras da Gallaecia” surgiu no seguimento do concurso “New Food” lançado pela UTAD que permitiu o desenvolvimento da ideia.
“Há uns tempos atrás a UTAD lançou o projeto “New Food” no qual decidimos participar juntando duas receitas, uma original que existe em diversas publicações e uma outra, da época medieval, que conseguimos através de um colecionador privado. Passamos à segunda fase o que nos permitiu criar o protótipo, financiar um estudo de mercado e desenvolver a imagem do produto”.
Como explica Gerardo Gonçalves, o processo é longo e passa por diferentes fases sendo que os produtos ali utilizados são “quase exclusivamente da região ou da região mediterrânica”.
“Isto é um processo que usa produtos da região, desde logo o vinho, que adquirimos já feito, e que depois é cozinhado num processo que demora 3 a 4 dias. Durante este tempo o vinho é aquecido e arrefecido diversas vezes adicionando mel e diversas especiarias. No final tem que ficar em repouso durante 6 meses. É um processo que não faz sentido que seja feito numa lógica industrial, deve manter-se artesanal. Só há um ingrediente que falta porque já não se consegue encontrar que é uma espécie de seiva que se chama mástique.
É um dos sabores mais próximos ao que se bebia na altura porque a recriação foi feita da forma mais rigorosa possível seguindo os escritos que tínhamos.
Um problema que tivemos é que esta receita tinha uma métrica romana, os pesos e medidas são há época o que nos obrigou a fazer uma série de testes, daí a designação de arqueologia experimental, para chegarmos às medidas que usamos”.
Dina Pereira, também arqueóloga e responsável pelo desenvolvimento deste vinho define esta experiência como “muito interessante” porque, mesmo “não sendo apreciadora de vinho”, como assume, este “é um produto com um toque adocicado e um sabor bastante agradável”.
A arqueóloga afirma que está neste momento “em desenvolvimento o processo de licenciamento para depois se passar à comercialização, até porque existe já uma procura considerável, podendo este projeto também servir como parte do financiamento necessário para a atividade normal da associação”.
O projeto do vinho de época romana visa também, acrescenta Dina Pereira, divulgar a Associação de História e Arqueologia de Sabrosa, criada para “estudar, preservar e divulgar o património do concelho”, apontando como exemplo a nível patrimonial, a mamoa das Madorras, a necrópole das Touças ou a Senhora da Azinheira, onde existe arte rupestre.
“Uma das maiores batalhas é aproximar o público escolar, e o público geral, desta atividade, até porque estamos inseridos numa zona de turismo e temos de aproveitar os recursos que temos. O facto de neste momento a associação ter um espaço físico e desenvolver atividades como a elaboração deste vinho, podem potenciar esta aproximação, permitindo a que as pessoas entendam o que fazemos e como o fazemos”.
Gerardo Gonçalves afirma que “a ideia é também promover a cultura e a história da região que foi muito importante na época romana, entre o Séc. II AC e o Séc. II DC viveu-se aqui um verdadeiro frenesim, e o vinho e o azeite eram os dois produtos mais comercializados por aqui.
Este projeto pode também servir para promover a arqueologia no nosso país e mais concretamente nesta região, desde logo porque é normal que as pessoas associem este trabalho àquela ideia do Indiana Jones porque foi uma grande produção cinematográfica. Contudo, em Portugal há registos que a arqueologia se desenvolve desde o Séc. XVII só que a mensagem não passava para o público porque era uma linguagem muito técnica e virada para os pares”.
De acordo com os dois responsáveis pelo projeto “isto tudo é hoje possível porque há uma sensibilidade maior, mesmo nos nossos responsáveis políticos, já não é só o betão que interessa. Numa zona onde não há grande industria não podemos pensar que o turismo de massas vai solucionar tudo, temos que pensar que isso só funciona que as pessoas deixarem aqui valor e no Douro isso nem sempre acontece”.
A atividade da associação é desenvolvida em colaboração com a Câmara Municipal de Sabrosa e a Junta de Freguesia de São Martinho de Anta.