Em Freixo de Espada à Cinta ainda há artesãs que se dedicam à extração da Seda por processos artesanais

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Susana Martins no tear da Seda/ Foto: Salomé Ferreira
Susana Martins e Julia Brás a alimentar o bicho-da-seda/ Foto: Salomé Ferreira
Susana Martins e Julia Brás a alimentar o bicho-da-seda/ Foto: Salomé Ferreira

Freixo de Espada à Cinta é detentora de uma arte ancestral, inédita na Península Ibérica e praticamente única na Europa, a criação do bicho-da-seda e a sua extração por processos artesanais continua a ser uma atividade valorizada na vila Manuelina, onde apenas duas mulheres se dedicam diariamente a esta atividade. O VivaDouro foi conhecer esta arte que a autarquia pretende “conservar e valorizar”.

Susana Martins e Júlia Brás são atualmente os rostos de uma atividade que outrora foi referência no panorama industrial. Estas duas mulheres são ainda as únicas que se dedicam totalmente à produção artesanal da Seda em Freixo de Espada à Cinta.

Paciência e paixão pela arte são os dois ingredientes que Susana Martins aponta como os principais motivadores para se continuar a dedicar a tempo inteiro à produção da Seda.

Foi há 14 anos que Susana Martins começou a trabalhar com esta indústria, “desde que comecei nunca mais parei”, explica ao VivaDouro, ao mesmo tempo que limpa o tabuleiro onde se encontram a ser alimentados os bichos-da-seda.

Cerca de 223 anos separam a realidade vivida atualmente por Susana Martins, da época em que a produção de Seda em Freixo de Espada à Cinta era florescente e exportava muitas das produções para os principais postos de venda do nordeste transmontano e para Espanha.

No ano de 1793 eram 16 as fábricas em atividade e 73 os teares em laboração. A atividade empregava 71 tecedeiras na produção de tapetes, tecidos, gravatas, fitas e panos.

Atualmente o número desceu para duas. São apenas duas as artesãs que se dedicam não só ao tear mas também a toda a produção, desde a criação do bicho-da-seda até à confeção de diversos produtos para venda aos turistas que visitam o Museu da Seda e do Território, onde se encontram a trabalhar em conformidade com a associação que se dedica atualmente à valorização desta atividade.

Maria do Céu Quintas, presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta/ Foto: Salomé Ferreira
Maria do Céu Quintas, presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta/ Foto: Salomé Ferreira

Maria do Céu Quintas, presidente da Câmara Municipal, pretende “aumentar o número de pessoas a trabalhar na produção artesanal da Seda”, revelou ao VivaDouro.

“Para mim a Seda tem uma importância muito grande, já foi muito importante para a economia do concelho e espero que venha a ser novamente porque meia dúzia de postos de trabalho em Freixo equivalem a muitos noutro sítio”, acrescenta a edil.

Desta forma, o município acredita que esta “atividade artesanal poderá constituir a ocupação diária de uma franja significativa da população feminina deste concelho, que não encontra outra fonte de rendimento e de emprego”.

A autarquia tem ainda como objetivo aliar a promoção da Seda a outros produtos de excelência do concelho, “acho que pode dar outra importância aos produtos da terra estarem associados à Seda, temos o vinho do Douro que é muito bom mas o nosso poderá ser melhor porque está associado à Seda, assim como as laranjas e o azeite”, afirma Maria do Céu Quintas.

Artigos feitos a partir da Seda pelas artesãs/ Foto: Salomé Ferreira
Artigos feitos a partir da Seda pelas artesãs/ Foto: Salomé Ferreira

A tradição alia-se à modernidade

Aliar a modernidade a esta atividade tradicional é outra das intenções da autarquia, uma vez que já se encontram a ser realizados contactos com estilistas, como forma de diversificar o leque de produtos realizados através desta matéria-prima.

As habituais colchas e os naperons vão dando assim lugar a peças com um toque mais moderno, “penso que vamos fazer mais peças de seda lisa para trabalharmos em parceria com outras entidades e estilistas para valorizarem mais a nossa seda, acredito que será por aí que vamos conseguir prolongar mais o nosso trabalho”, explica Susana Martins.

“Uma colcha de Seda de Segunda ronda os 3 mil euros, um jogo de quarto natural vai para os 600 euros e as echarpes, que estamos a fazer agora, custam cerca de 500 euros, mas são peças com dois metros”, acrescenta a artesã.

De acordo com Susana Martins, as Toalhas de Batismo, são outro dos produtos que ainda têm “muita procura”, mas principalmente “por pessoas da terra que já conhecem”, sendo que este tipo de trabalhos ronda os 160 euros.

A confeção de produtos de “pequena dimensão” como são exemplo as “carteirinhas e os saquinhos de alfazema”, é outra das apostas, “temos que ter material em proporção aos clientes, fazemos estas coisas que são relativamente mais baratas para os turistas levarem como recordação”, revela Susana Martins.

Os bichos-da-seda encontram-se agora em fase de criação/ Foto: Salomé Ferreira
Os bichos-da-seda encontram-se agora em fase de criação/ Foto: Salomé Ferreira

Produção de Seda aumenta em relação ao ano passado

Depois de o inverno longo ter atrasado a produção do bicho-da-seda, nem todas as notícias são más, uma vez que a produção de bichos é superior à do ano passado, o que faz com que este ano “a produção de seda se avizinhe maior”, revela Susana Martins.

Em 2015 “criámos à volta de cinco quilos de casulo, o que deu para dois quilos de Seda”, explica a artesã.

“O bicho-da-seda já devia estar criado a esta altura do ano, ou pelo menos já na fase do Casulo, mas como choveu muito a folha atrasou, estava frio os bichos não nasceram e por isso está um pouco mais atrasado do que outros anos” acrescenta.

Esta altura do ano corresponde à fase de criação do bicho-da-seda, “é quando há folha de Amoreira”, o alimento que as artesãs dão diariamente aos bichos que produzem esta matéria-prima.

A fase de criação demora cerca de 45 dias, “até atingirem o tamanho adulto e fazerem o casulo”, sustenta Susana Martins. Uma vez que as lagartas não se desenvolvem todas ao mesmo ritmo, torna-se necessário separá-las por grupos de desenvolvimento para que seja mais fácil detetar a altura em que começam a fazer o casulo, sendo essa agora a principal atividade das artesãs, para além da apanha da folha da Amoreira.

Casulos da Seda / Foto: Salomé Ferreira
Casulos da Seda / Foto: Salomé Ferreira

Quando a lagarta chega à idade adulta, “são colocados à volta dos tabuleiros ramos de arçã para as ajudar a fixarem-se e fazer o casulo”, afirma Susana Martins.

Para produzirem Seda de primeira qualidade as artesãs têm que matar as borboletas dentro do casulo, “este processo é feito com um choque térmico, que pode ser feito com sol ou com frio, nós fazemos numa arca frigorífica”, diz a artesã, enquanto separa as lagartas mais desenvolvidas para outro tabuleiro.

Depois da criação do bicho-da-seda, segue-se a fase de extração da seda e mais tarde o processo de enrolamento, torção e extensão que transformam 300 magros fios de seda num fio branco e acetinado. Posteriormente as meadas vão cozer numa caldeira de água e sabão durante uma hora, como forma de branquear a Seda.

Susana Martins no tear da Seda/ Foto: Salomé Ferreira
Susana Martins no tear da Seda/ Foto: Salomé Ferreira

Finalmente branqueada e seca, a seda encontra-se pronta para ser tecida, sendo que o tear “pode ser trabalhado durante todo o ano”, explica Susana Martins.

Museu da Seda e do Território mantém viva atividade ancestral

Quase a completar um ano de atividade, o Museu da Seda e do Território, inaugurado a 15 de agosto de 2015, é o local onde se mantém viva esta atividade ancestral, na opinião da edil o primeiro ano de atividade do museu “está a correr muito bem, temos muitas visitas”, revela a autarca.

O Museu convida assim os visitantes, que na sua maioria são provenientes da vizinha Espanha, a conhecer o ciclo da seda e a recuar no tempo como forma de conhecerem a história da vila manuelina.

Susana Martins e Júlia Brás encontram-se diariamente a trabalhar neste espaço museológico, reforçando assim “o valor desta cultura local”.

Para Susana Martins, esta parceria com o museu é “importante porque nos dá uma salvaguarda, assim os turistas têm oportunidade de conhecer esta tradição, para eles é bom mas para nós também, é uma mais-valia porque mantemos viva a tradição da Seda”, conclui a artesã.