
Na minha crónica de Abril dizia, sobre a decisão de António Guterres se candidatar ao lugar de Secretário Geral da ONU, que sendo ele um homem justo e corajoso, poderia levar mais lucidez ao exercício dessa função de responsabilidade global. O planeta ficaria mais justo e saudável.
Como português fiquei muito orgulhoso pela vitória alcançada. Mas há razões para admitir que a expectativa favorável não seja só de âmbito nacional. Vale a pena reflectir sobre a eleição e dizer porque acho que pode ser legítimo aspirar a um pouco mais de confiança a nível global.
Para o êxito dum processo competitivo e de gestão de influências, como é o caso, foi decisivo o mérito pessoal do candidato. Para além de não ser difícil reconhecer no seu passado cívico um homem inteligente, honesto, tranquilo, de boa formação humanista, António Guterres revelou ser o mais apto no transparente processo de escrutínio adoptado. Isso é particularmente relevante e esperançoso, por ser sinal de mudança nos procedimentos internos das grandes organizações internacionais e a garantia de que no futuro haverá maior rigor e que nos mecanismos de decisão das instâncias mundiais a opacidade irá ser reduzida.
Mas também se tratou de um excelente trabalho da diplomacia portuguesa, que deve ser exaltado. Numa surpreendente acção convergente, os diferentes agentes políticos – Presidente da República, Governo e Partidos Políticos – perceberam como um alinhamento interno de posições seria útil. O Ministro Augusto Santos Silva foi diligente e eficaz. Desenvolveu um argumentário sólido, tendo falado com todos os ministros de Negócios Estrangeiros dos países membros de Conselho de Segurança. Também não devemos esquecer a actuação decisiva de uma hábil figura transmontana – o Embaixador Álvaro Mendonça e Moura – nosso representante permanente junto da ONU. Enfim, o processo correu bem e Portugal saiu muito prestigiado a nível internacional.
No entanto, estou convencido que a ONU terá ganho mais ainda que Portugal. O mundo está em mudança e muitos conflitos internacionais fazem temer o regresso a um perigoso clima de guerra fria. Sendo a ONU a única plataforma internacional reconhecida para alcançar racionalidade a nível global, precisa de estar a altura da momentosa situação global que se antecipa. Daqui resulta a necessidade de uma liderança forte, desassombrada e esclarecida.
Por outro lado, a própria orgânica da ONU precisa de uma revisão. Tendo a sua estrutura sido pensada num período específico da história contemporânea, muito marcado pelo pós-de-guerra, é óbvio que já não se encontra adequada á realidade actual.
António Guterres vai ter grandes desafios pela frente. No entanto, o processo de que resultou a sua clara eleição confere-lhe , se comparado com os seus antecessores, muito maior legitimidade e por isso também a autoridade que precisa para negociar e propor as suas ideias.
Resta desejar-lhe boa sorte, porque como se dizia na tropa “a sorte protege os audazes”.