O Horizonte 2017

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Tudo parece apontar para que 2017 se transforme em ano decisivo para a Economia social a nível dos países membros da União europeia. Com efeito, a renitência da Comissão europeia em reconhecer e ocupar-se do setor da economia social nas suas políticas, privilegiando a empresa social ou, agora, a empresa colaborativa, estará a quebrar, com a Comissão a render-se à evidência de que só há um verdadeiro mercado interno comunitário se as empresas de economia social puderem atuar no mercado único a partir dos seus próprios modelos organizativos, e com programas de apoio a exemplo dos que já de há muito vêm sendo ‘oferecidos’ às empresas privadas capitalistas. São já algumas as indicações de que 2017 verá a Comissão discutir e aplicar um Programa europeu para a economia social. Mas para que esse programa europeu possa ‘servir’ às empresas de economia social portuguesas, estas têm de se ir preparando e, sobretudo, levar a Bruxelas uma posição refletida a mais comum possível, com propostas concretas, com objetivos bem delineados e calendarizados.

Para que tal possa acontecer, pois, cooperativas, mutualidades, associações e fundações deverão sentar-se à mesma mesa, discutir a comum problemática e prosseguir na via, cada vez mais clara, da necessidade de criar uma estrutura representativa nacional única que acrescente valor sem destruir o que existe em cada uma das famílias que compõem o denominado setor da Economia social, a economia das pessoas e para as pessoas. O Congresso da Economia social que foi anunciado no ‘Portugal Economia Social’ do mês de maio, será esse momento marcante a nível nacional que irá responder ao desafio comunitário. A sua preparação deve iniciar-se já, e as Jornadas da Pesqueira deste ano serão certamente uma das reuniões preparatórias desse futuro, próximo, 1º Congresso nacional da Economia social.

De há muito que o Parlamento Europeu e os Comités Económico e Social e o das Regiões europeus têm dedicado atenção e aprovado textos sobre os problemas que a Economia social enfrenta. Mais recentemente, em dezembro passado, o próprio Conselho europeu fez aprovar o documento ‘Promoção da economia social enquanto veículo chave do desenvolvimento económico e social europeu’. Os Governos dos Estados membros aderiram, assim, ao movimento de cidadania da Economia social e terão colocado a pressão definitiva sobre a Comissão europeia, a ‘cega’ Comissão europeia que continua a ‘fugir’ quando pode às reivindicações do setor e seus grupos de pressão e organizações representativas supranacionais.

Do documento do Conselho europeu resulta o compromisso entre Estados membros para que, atenta a subsidiariedade, Comissão e Estados membros devam « estabelecer, implementar e desenvolver mais, conforme apropriado, estratégias e programas de fortalecimento da economia social, do empreendedorismo social e da inovação social a nível Europeu, nacional, regional e/ou local. Essas estratégias e programas deverão assentar num diálogo construtivo entre autoridades e parceiros relevantes Europeus, nacionais, regionais e/ou locais ».

Portugal ficou vinculado a participar neste desafio. Creio, e afirmei-o no recente encontro do Ciriec Ibérico concretizado durante o evento ‘Portugal Economia Social’, que é tempo de pensar a Economia social e o seu futuro entre parceiros confederados e federados a nível interno, mas também com o envolvimento nesse ‘pensar’ das autoridades públicas centrais, regionais e locais. As organizações de economia social são na sua esmagadora maioria empreendimentos de base local, verdadeiros polos económicos e sociais combatendo a desertificação, criando empregos e impulsionando o desenvolvimento participativo da população local.

Tendo estudado a Constituição, o Código cooperativo e o diploma que aprovou em 1984 as Cooperativas de interesse público, mas também a Lei das Finanças locais e o Regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais, concluí ‘que os municípios podem formar ou participar em cooperativas ou outras entidades de economia social, devendo tão só observar limiares e regras orçamentais que a legislação define’.

E à guisa conclusiva acrescentei: ‘O modelo das cooperativas de interesse público pode ainda hoje ser utilizado com pequenos ajustes. Não é inviabilizado pelas leis que delimitam a atuação autárquica. Deve ser discutido e incentivado a partir das forças vivas locais. Deverá ser assumido pelas organizações de economia social locais e respetivos corpos sociais em primeira linha, e depois pela restante população da vila, do concelho ou concelhos. Tenderá a assumir um carácter intercooperativo e estar dotado de apoio técnico e financeiro, pelo menos na fase inicial de desenvolvimento. Será tanto mais participado quanto nele se empenharem jovens, a partir das escolas ou em fase de inserção ativa. Sendo que deverá estar sedeado em local visível, a Casa de Economia social’.

Estas seriam ‘locais onde as organizações de economia social pudessem partilhar recursos, trocar listas de membros, providenciar serviços melhores a preços mais baixos. Ao fazerem-no, os municípios podem cooperar na criação de centros de poder empresarial locais, gerando emprego, atividade económica, rendimentos. Podem fixar populações em áreas em que a atividade económica tende a desaparecer. Cedendo para o efeito ou arrendando a preço módico edifícios devolutos sob gestão camarária (são tantos os antigos palácios ou casas senhoriais devolutas e a ameaçar ruína) as autarquias impulsionariam o cruzamento entre as atividades cooperativas, os seguros mutualísticos, os serviços sociais oferecidos pelas associações, os serviços médicos fornecidos pelas misericórdias. Se a confiança for gerada entre os dirigentes das organizações ‘residentes’ nas Casas de Economia social, passar-se-ia numa segunda fase, tendencialmente recorrendo a recursos próprios, para a criação de novos empreendimentos primários, secundários ou terciários que fossem considerados ir completar lacunas existentes nas comunidades em causa. O emprego surgiria, a desertificação cessaria, o desenvolvimento local seria potenciado’.

Uma das organizações que fazem parte com a CASES da Social Economy Europe, a organização que defende a economia social em Bruxelas, é a REVES, a rede europeia das Cidades e Regiões de Economia social. São já numerosas as autarquias locais que se vêm dedicando a apoiar a economia social no terreno, quer levando os atores do setor a criar sinergias entre si, quer apoiando financeiramente, caso da Câmara de São João da Pesqueira, a partir do orçamento anual da autarquia, projetos e ações de cooperativas e outras entidades que lhe sejam submetidos.

O que uma Câmara faz, pode ser feito por muitas outras, e desejavelmente numa mesma região. Daí a proposta de explorar a ideia de Conselhos Municipais de Economia Social, levando em consideração um processo evolutivo que considere as estruturas, experiências e movimentos já existentes.

Deverá ser a própria Associação Nacional de Municípios, e porque não também a Associação Nacional das Freguesias, quem primeiro deverá acolher o mérito da ideia e, depois, por exemplo usando o Conselho Nacional para a Economia Social em que ambas participam, lançá-la à discussão dos restantes membros do Conselho e submetê-la para previsão de eventual instrumento jurídico enquadrador ao próprio Governo. O Governo em funções e a presente Assembleia da República preveem uma próxima discussão do municipalismo no horizonte das décadas próximas. Dessa discussão deve resultar um modelo autárquico mais participado que o atual, na esteira de ações pioneiras como o orçamento participativo já em aplicação nalgumas autarquias, e as cooperativas de interesse público, que teoricamente permitem reduzir o peso do Estado a nível orçamental, farão parte do menu a discutir, tal como os Conselhos Municipais para a Economia social ou as Casas de economia social que procuramos ver implantadas.

Para já é importante ler e refletir. Juntar ideias sem receio de que possam ficar pelo caminho, uma vez discutidas por quem deva assumir as decisões políticas finais. E ir inovando, mesmo que o caminho comece solitário e os caminhantes se venham juntando pouco a pouco. Mas sem esquecer este novo ano, o marco de 2017.

João Salazar Leite