Seca: Faltam mais barragens?

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Porque não construir mais barragens? “Nem mais uma gota de água para o mar!”, foi a frase que há um século um político lançou na Índia, e que rapidamente se expandiu por todo o mundo dando origem à construção desenfreada de barragens. A construção de barragens nunca resolveu os problemas dos ciclos de seca cada vez mais frequentes, como o que vivemos atualmente, assistindo-se antes a uma degradação ambiental e à amplificação dos conflitos sociais. Nas últimas décadas, passou a haver uma melhor perceção desta situação e assiste-se, mesmo por toda a Europa (infelizmente não entre nós…), a planos de remoção destas estruturas e a uma consciencialização dos efeitos da artificialização dos cursos de água. Por cá, temos ainda os grandes agrários com a exigência de mais barragens, e até aparecem planos mirabolantes de transvase de água da bacia hidrográficas do Douro para a do Tejo, daqui para a do Guadiana e, finalmente, desta para todo o Algarve, as designadas ”autoestradas de água”, o que demonstra total ignorância pelas consequências ambientais (e custos económicos e sociais), nomeadamente da disseminação de espécies exóticas, perda da biodiversidade e a manutenção duma agricultura ambientalmente insustentável.

Pelo contrário, devemos encarar antes com especial atenção as medidas estruturais, com relevância para a regularização do ciclo hidrológico, especialmente aquelas que promovem a infiltração e a recarga dos aquíferos. Assim, as ações de florestação das bacias e de promoção da conservação do solo e da água devem constituir uma preocupação constante no planeamento agroflorestal das bacias hidrográficas. Ora, uma floresta de monocultura com incidência no eucalipto é extremamente vulnerável aos fogos e é responsável pelo acentuar da desertificação com a concomitante redução da infiltração da água, antes favorecendo o escoamento superficial, que é o vetor fundamental para o aumento da erosão. No caso dos povoamentos de eucalipto, a perda de solo é mesmo potenciada, nos períodos de maior pluviosidade, pelo efeito de hidrofobicidade (repelência à água), que acontece em situações de especial severidade dos incêndios florestais e que leva à formação duma camada impermeável à superfície impedindo a infiltração e levando ao maior fluxo de água à superfície, arrastando o solo. Ora, como tem sido estudado na UTAD, pelo CITAB, estes sedimentos vão-se depositar nas albufeiras diminuindo a sua capacidade de armazenamento, ditando, mais cedo ou mais tarde, a inutilidade das próprias barragens. Muitas destas albufeiras necessitam já de ser desassoreadas, mas tal é impraticável nas de maior dimensão. Vários estudos realizados pelo CITAB demostram exatamente a relação entre os incêndios florestais e a deposição de sedimentos nas albufeiras e a sua contribuição para a sua eutrofização, isto é, a deterioração da qualidade da água pelo excesso de nutrientes afetando os usos da água.

Outras medidas apontadas, como a dessalinização e a reutilização da água, a partir das ETARs, têm um alcance muito limitado. Para além dos elevados custos energéticos, estas instalações têm de ser localizadas perto do mar e dos grandes aglomerados urbanos, pelo que a sua utilização na rega obriga à instalação duma rede de canais até às zonas rurais e sob pressurização para compensar a diferença de cotas. Tudo isto se traduz num preço por m3 que pode decuplicar o preço atual. Por isso a dessalinizadora a ser feita no próximo ano no Algarve vai permitir pouco mais do que a rega de campos de golfe.

Não, não há medidas miraculosas para a seca, nem autoestradas de água que nos valham. O recurso às culturas híper-intensivas extremamente exigente em água tem de ser substituído por culturas adaptadas a um clima em mudança. A proteção do solo por cobertura vegetal adequada que favoreça a recarga dos aquíferos é essencial. A par disto está o aumento da eficiência no ciclo urbano da água (em alguns concelhos as perdas são superiores a 50%) e na irrigação. E é preciso definir planos municipais para situações de emergência com fenómenos hidrológicos extremos (secas e cheias). Porque o que se passou neste inverno vai,  de certeza, repetir-se com cada vez maior frequência…