“Antes de estar aqui já fiz muitas coisas na vida, só estou a devolver um pouco à minha terra daquilo que ela me deu”

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mário artur lopes

A cumprir o seu segundo mandato à frente do município de Murça, Mário Artur Lopes tem como objetivo o crescimento do concelho com base na agricultura e no turismo, áreas muito afetadas pelo incêndio do último verão que afetou a quase totalidade do território.

Ser autarca implica uma dedicação ao cargo que vai muito além das habituais 8 horas de trabalho. Surpreendido com a exigência do cargo?

Estar neste cargo tem, obviamente, aspetos positivos e negativos. Já tinha estado aqui entre 2001 e 2006 e por isso tinha já uma noção do prazer que é servir.

Do meu ponto de vista neste cargo só temos a ganhar, em especial quando a vontade de fazer é imensa, como é o caso. Costumo dizer que não sou presidente de câmara, estou como presidente de câmara, não nasci aqui e espero não morrer aqui, por isso digo que estou.

As decisões que tomamos implicam sempre perdas e ganhos, acho que aqui ganho mais do que aquilo que posso perder e estou sempre pronto para sair daqui. Antes de estar aqui já fiz muitas coisas na vida, só estou a devolver um pouco à minha terra daquilo que ela me deu.

Como se atrai as pessoas para um concelho como o seu?

Estamos em territórios com uma população muito envelhecida e habituamo-nos a ouvir muitas teorias sobre diferenciação positiva e de apoio a um território como o nosso, uma visão à qual sou contrário.

Não devemos obrigar ninguém a vir para o interior, mas temos obrigação de mostrar o que é o interior, tem coisas boas e más e só deve cá estar quem realmente gosta de estar cá.

Podemos motivar mais gente a estar no interior, vivendo com dignidade, se lhes for proporcionado aquilo a que têm direito, como as questões ambientais. Se estes territórios em vez de apoios recebessem compensações por direito próprio, teríamos uma postura de valorização do território de uma forma diferente. Na perspetiva do apoio e da mendicidade parece que estamos a prazo para terminar e nós não vamos terminar, tudo isto já cá estava antes e irá continuar depois.

Quando temos fundos comunitários abaixo da média, é negativo. Não devemos estar sempre a comparar-nos com os outros, mas devemos viver com aquilo que produzimos e aquilo a que temos direito, seja a energia, o vinho de alta qualidade, o facto de não poluirmos como outras zonas, etc… Tudo isto deveria dar-nos uma qualidade de vida muito acima da média, por direito próprio e não por entendimento de uma qualquer Comissão que se crie em Lisboa para tentar entender o interior. Acredito que muita gente vai melhorar a sua vida se tiver uma visão mais assertiva do que é o interior.

Numa grande cidade se um dos elementos do casal fica sem emprego, a família fica logo em grandes dificuldades, aqui consegue-se manter uma determinada qualidade de vida na mesma situação.

O que falta para mudar essa visão?

Há várias medidas que o Estado deveria tomar. Obrigar a que o investimento apoiado pelo Estado se deslocalizasse para o interior, assim como diversos serviços do Poder Central como na área da justiça, por exemplo.

Desta forma as pessoas seriam obrigadas a circular pelo território, fomentando com isso a economia e outros negócios em zonas como esta.

Qualquer dia há 50 faixas de rodagem à saída do Porto para escoar o trânsito e mesmo assim não vai chegar porque concentramos ali cada vez mais gente.

São medidas efetivas para colocar gente no interior valorizando o território. Em algumas áreas, como a educação e a saúde, deveria haver uma rotação das pessoas fazendo com que médicos, enfermeiros e professores vivenciassem o interior, para perceberem a natureza destas gentes.

Haveria certamente profissionais destes que iam gostar de estar cá e iam querer ficar por aqui e constituir família. Há estrangeiros que vêm viver para Portugal e sentem-se bem, acredito que os portugueses se conhecessem o interior também iam gostar de aqui viver.

Aqui, com um terço do salário de uma grande cidade é possível comer maçã a saber a maçã, tomate a saber a tomate, etc. Ter a oportunidade de criar os filhos num espaço onde as crianças podem andar em liberdade, onde se podem comer legumes frescos ou o pão feito no dia, não há melhor, no final do dia é isso que vale a pena.

Apontou já diversas vantagens em viver no interior, no seu entender porque é que ainda há esta dicotomia interior-litoral? Qual é o “click” que falta para as pessoas verem as vantagens que aponta?

O nosso problema é que estamos sempre a gerir expectativas, o problema é como os nossos governantes nos colocam a gestão de expectativas.

Há um desfasamento tremendo entre quem decide e o que é a realidade. Isto não é uma crítica a ninguém, mas não podemos ter um Primeiro-Ministro a falar de um problema grave num bairro em Lisboa porque viu alguma coisa na televisão. Fala-se de coisas sobre as quais há conhecimento de causa em circunstâncias destas.

Numa família há sempre um elemento que é responsável pelas decisões mais complexas, nestes casos acontece o mesmo, o problema é que temos uma casta de gente ligada às universidades que está distante do poder político.

São estas pessoas que deviam pensar, porque têm base científica, estudos e dados, para o fazer. Isso não acontece porque há uma espécie de uma elite que se fecha, típico de um país subdesenvolvido, que entretanto fogem à realidade mas esta persegue-os.

É neste caso que falo da gestão de expectativas, não podemos ter como missão a valorização do interior, isso não faz sentido nenhum, é preciso uma missão de valorização do país. Quando se promove esta ideia que é preciso dar uma casa ou um apoio adicional a um médico para vir para estes territórios, é dizer-lhe que vai para o inferno. Isso é mentira, ele vai para um sítio fantástico onde não precisa ter jardins para respirar ar puro, é preciso alterar este paradigma.

Falando novamente de Murça, o que ainda falta aqui?

Em Murça ainda faltam coisas importantes. Ao nível da qualidade de vida temos já boas vias de comunicação, que deviam ser mais de chegada do que de partida, o que também não é mau porque se pode viver em Murça e trabalhar em Alijó, Vila Real ou até mesmo no Porto.

Neste campo estamos bem, falta-nos apenas algum dinheiro para investir na rede viária municipal, havendo já algum dinheiro para investir nas vias mais degradadas.

Acima de tudo faltam famílias mais numerosas. Defendo que o principal problema do país é o problema demográfico, o terceiro filho deveria ser incentivado nas famílias, mesmo em termos financeiros.

Imaginem que a cada família que tenha o terceiro filho recebe uma verba de 30, 40 ou 50 mil euros, o país ia ganhar com isto. Quando se fala em resolver o problema da mão de obra com a importação de trabalhadores, alguém imagina que esses que chegam vivem bem nos seus países? Não, claramente vêm aqueles que têm grandes dificuldades e com pouca instrução, vem à procura de algo melhor e Portugal já não chega tentando ir para a Alemanha…

Temos que, a prazo, apostar seriamente em apoiar as famílias para que tenham mais filhos. Se o terceiro filho fosse verdadeiramente incentivado certamente que iríamos inverter a nossa pirâmide.

Regressando à questão, em Murça estamos a fazer uma série de investimentos interessantes na área da valorização do território, dentro do que são as nossas competências, com um foco especial no setor agrícola que é a base da nossa economia. O objetivo é que os nossos produtores possam promover os seus produtos, vendendo-os melhor, gerando uma maior riqueza que ficará também melhor distribuída.

O que precisamos mais é de investimento privado. Está em perspetiva que aconteça e necessariamente vai acontecer. Podemos olhar para a Régua, por exemplo, onde há grandes investimentos privados ligados à área do turismo, mas que depois vão potenciar outros investimentos em outras áreas. O turismo não deve ser a panaceia para tudo mas é uma área á qual dou muita importância.

mário artur lopesO turismo já tem muito peso na economia de Murça?

Não tanto como gostaria. Defendo que temos de ter um turismo que nós próprios gostássemos de usufruir. Só esse é que pode ser bom, não temos que imitar ninguém, temos que ser diferenciadores.

A nossa posição geográfica é diferenciadora porque temos realidades muito distintas, desde freguesias com características mais transmontanas a outras que estão dentro da Região Demarcada do Douro. Temos uma autoestrada que passa a um minuto do centro da vila… tudo isto são vantagens para nós neste setor.

Esta é a nossa aposta e desde que chegamos à autarquia em 2017 estamos a fazer um trabalho de base que é criar ofertas turísticas de interesse local. O objetivo é que isto possa ser motivo, para além dos eventos que promovemos, para justificar o investimento privado na área do turismo.

Não estamos encostados ao Rio Douro, que tem a importância que todos sabemos, mas é um caminho que vamos trilhando e que é quase inevitável que aconteça.

Estamos sensivelmente a meio deste seu segundo mandato, quais são os projetos de maior importância para o município e que quer concluir até esse prazo?

Já referi há pouco a questão das vias municipais, têm que ser profundamente requalificadas. Quem nos visita chega através de uma via, se encontra infraestruturas rodoviárias municipais em mau estado, não se sente motivado a voltar. Para nós é um aspeto muitíssimo importante.

Na área da educação temos feito tudo o que podemos. O maior investimento de sempre do município, a requalificação da escola sede, está praticamente concluído. É uma obra da qual nos orgulhamos bastante.

De resto temos todos os equipamentos que os municípios à nossa volta têm. Alguns começam já a precisar de algumas obras de requalificação, como as Piscinas Cobertas ou o Auditório Municipal, mas temos tudo isso.

Temos um investimento substancial que já vem do mandato anterior e que sempre foi a “menina dos meus olhos”, que é a Zona Industrial. Esta área criou as condições adequadas à nossa capacidade para poder haver investimento, que arrefeceu um pouco com a pandemia e a inflação, havia investidores que tinham a estimativa de gastar 200 mil euros com um pavilhão, que passou a custar 600! Portanto isso acabou por arrefecer o investimento.

Uma preocupação que temos presente é a questão ambiental. Temos a ambição de criar, à entrada da vila, um “parque da cidade”, um espaço de lazer, verde, com centenas de árvores autóctones e umas piscinas descobertas. Um espaço para a família, tanto para os que estão cá como para todos aqueles que nos possam visitar. Com uma ligação muito próxima à vila.

Temos ainda outras obras na área ambiental que temos planeadas como uma intervenção ao Espaço de Lazer junto ao rio Tua, junto à aldeia de Sobreira, ou junto ao rio Tinhela, há uma área que queremos desenvolver como Parque da Biodiversidade, que começou com 20 hectares, hoje já falamos quase em 200 hectares.

Na área do ambiente também é importante a questão da água e do saneamento. Como está a rede municipal e que investimentos estão pensados?

Esta questão é muito importante para nós, o Ciclo Urbano da Água. Desde 2016 que estamos integrados na AdIN, uma estrutura que está a fazer um acompanhamento e um investimento significativos no concelho.

Já não temos nenhuma Estação de Tratamento que não esteja devidamente licenciada, as fossas séticas desapareceram e, em termos de abastecimento de água recorremos a três fontes, a barragem de Vila Chã, a de Ribeira de Curros e uma outra na Sobreira.

Tudo isto é acompanhado pela AdIN com protocolos técnicos que os diferentes organismos acompanham. O nosso acompanhamento é também importante para que assim que seja detetado um problema ele seja resolvido da forma mais rápida possível.

Num concelho com estas características o Apoio Social tem muito peso no orçamento municipal?

O nosso apoio nessa área é de compromisso total, será mesmo das áreas em que nos dá mais satisfação trabalhar.

Na Rede de Apoio ao Medicamento, por exemplo, temos um apoio que muitos não têm.

Há quem não tenha dinheiro para comprar a medicação necessária?

Neste momento não há ninguém que fique sem a necessária medicação ou alimentação no nosso concelho.

Assim que qualquer caso seja identificado pelos nossos serviços, ou alertados por familiares ou vizinhos, ele é automaticamente acompanhado. Procuramos esmiuçar o nosso território para que não haja nenhum caso de pobreza envergonhada, não queremos deixar ninguém sem o apoio necessário.

Foram anunciados 2,6 milhões de euros para o município no quadro do apoio aos incêndios do verão passado. De que forma o município vai usar essa verba?

 Aquilo que aconteceu foi um problema concreto, mas temos também a visão estrutural daquilo que é a floresta nos nossos territórios. Defendo que deveríamos estar a ter esta discussão mesmo que não tivessem existido os incêndios.

Só há incêndios porque temos um problema estrutural, que é o abandono do território. Este problema tem que ser resolvido por várias razões, desde logo porque combater um incêndio custa dez vezes mais do que preveni-lo. Esta prevenção passa por fazer uma gestão cuidada da floresta, com queimas e queimadas controladas, por exemplo.

Precisamos de descontinuidade na floresta, e isso só se consegue com mais agricultura, incentivar as cabras sapadoras, apostar na pecuária que ajude a prevenir a existência de mato.

Neste sentido, e havendo necessidade de medidas imediatas, temos vários apoios. Temos um protocolo com a APA que ronda os 600 mil euros, e um outro com a APA e o Fundo Ambiental, nas zonas ribeirinhas afetadas pelos incêndios.

Com o ICNF temos um protocolo semelhante para fiscalização de emergência, venda da matéria queimada, estabilização das curvas de nível, proteção das linhas de água, etc.

Isto são medidas imediatas como consequência direta do incêndio que representam um investimento de cerca de 1,2 milhões de euros.

O Fundo de Emergência Municipal tem também uma verba, para a qual já temos aval da DGAL, que nos vai permitir recuperar as infraestruturas afetadas pelo incêndio. A comparticipação é na ordem dos 55%, com enfoque nas vias de ligação às aldeias que ficaram mito afetadas e que ultrapassa o investimento dos 2 milhões de euros.

Na área do turismo temos um apoio na ordem dos 400 mil euros, comparticipados a 90%, perfazendo tudo isto um valor superior a 2,5 milhões de euros. Queremos que todas estas medidas sejam implementadas o mais rapidamente possível, esperando que mais tarde venham outros apoios para o apoio à agricultura ou reflorestação com espécies mais adequadas ao território.

No meio disto tudo há algo que está a falhar redondamente que é o apoio à produção agrícola perdida, era um apoio que devia ser imediato e que não está a ser o apropriado. Há algumas medidas que já estão tipificadas mas que não são adequadas. Há ainda a questão da agricultura informal, aquela pessoa que tem a sua horta, perdeu o que tinha. Esse tipo de apoio devia existir.

Tudo que tenha a ver com apoio municipal, a resolução do problema fica resolvida, já falamos sobre isso.