Fernando Cabral, bancário de profissão, dedica o seu tempo livre à história de Lamego. Recentemente o lamecense decidiu fazer uma reedição do livro “Sumária Recapitulação da Antiguidade da Sé de Lamego, Bispos e Cristandade dela e da sua nobreza”, escrito por Manoel Fernandez em 1596. Em entrevista ao VivaDouro, Fernando Cabral contou um pouco do trabalho desenvolvido neste projeto.
Qual a importância deste livro?
O relevante para mim é ser um documento manuscrito daquela época. O livro é importante porque nos dá a conhecer a história de Lamego, mas também de alguém que existiu naquela época e que teve o cuidado de relatar o que acontecia. O meu fascínio por este trabalho passa pelo facto de ser um documento raro da época, e ser um documento raro por si só, porque só existe uma edição original que se encontra na Biblioteca Nacional do Brasil e eu tenho uma edição fac-símile de1981 que também é rara.
Quais os principais temas abordados?
Manoel Fernandez tenta ir de encontro aos genes da cidade acabando por nos contar um conjunto de pequenas histórias, algumas mais próximas dele e da época em que viveu, baseando-se em outros historiadores mais antigos, onde foi beber alguma informação e conseguiu montar este pequeno puzzle que nos dá uma ideia da antiguidade de Lamego. Este trabalho é também um documento único porque em termos de impressão, este será o primeiro trabalho com conteúdo histórico que foi impresso e que nos mostra um pouco como a cidade era na altura. Apesar do tema do autor ser provar a antiguidade de Lamego, acaba por falar inúmeras coisas, que juntas completam o livro.
Qual foi todo o processo até chegar ao produto final?
Eu gosto muito da história de Lamego, tudo que encontro quer em alfarrabistas, particulares, quer através da internet ou leilões, tudo que tenha Lamego, parte ou todo eu adquiro. Obviamente que muitas dessas aquisições são sempre com o objetivo de reeditar alguma coisa ou de recolher um conjunto de coisas que depois possam ser processadas e trabalhadas e então editar um documento original. Neste caso, como o livro era único, tentei fazer uma edição para divulgar e para mostrar às pessoas que existe um documento valiosíssimo sobre Lamego e que nós não temos conhecimento da sua existência. Na posse do fac-símile de1981, tentei suprimir a parte danificada do livro contudo cheguei à conclusão que aquilo que estava a fazer não teria resultado nem um rigor histórico que lhe conferisse algum valor. Como sei que poderia ser criticado ou censurado por ter inventado alguma coisa, preferi parar o trabalho, esperar que um dia mais tarde pudesse recuperar um original em perfeitas condições e assim justificar-se-ia uma segunda edição. Isso durante mais de dez anos não aconteceu e, um dia mais tarde, o meu cunhado Vítor Rebelo, numa pesquisa sobre a cidade, encontrou em Évora algo sobre este livro. Eu entrei em contacto com a Biblioteca de Évora e passado algum tempo enviaram-me via informática o documento. Na posse do documento apercebi-me que não era uma cópia do livro original do Brasil mas, poderia ter sido de um original que, não se sabe como, talvez por estar muito velho, tivessem retirado parte para não se perder. Com a ajuda deste manuscrito, consegui então começar a pensar na reedição do livro.
Qual a maior dificuldade ao longo desta reedição?
A maior dificuldade é sempre a angústia de não termos o original. Outra das minhas dificuldades foi a inicial, não conseguir encontrar outro documento, não conseguir reeditar e ter que esperar até encontrar o documento na Biblioteca de Évora. Por não conseguir o livro original, que se encontra na Biblioteca nacional do Brasil, nesta reedição decidi não colocar a parte introdutória que estava ilegível mas, apesar disso, fico satisfeito por ter conseguido concluir o trabalho.
O que achou mais interessante com a pesquisa e o estudo que fez?
Há alguns factos que achei peculiares. O primeiro é um achado que existe na Igreja de Almacave, são umas moedas que foram achadas e deveriam ter ido para o Museu, mas Manoel Fernandez menciona no livro que terão tomado outro rumo e, hoje em dia, não tenho conhecimento onde essas moedas possam estar. Alguns canos de água que, mais recentemente, se encontraram na construção do Pavilhão Álvaro Magalhães e que são mencionados no livro, são um caso que acho extremamente curioso porque é algo muito anterior às pessoas que existiam na cidade na época de 1500. O documento menciona meia dúzia de coisas muito engraçadas e que nos podem de facto remeter para outras pesquisas que poderão, ou não, dar-nos a conhecer um pouco mais a nossa cidade.
O resultado foi o que esperava?
A nível pessoal foi sem dúvida totalmente satisfatório, o prazer de reeditar este livro, a pesquisa e investigação feitas, todo o percurso até aqui foi bem conseguido. A nível do público, sinceramente nem sempre o trabalho que fazemos é recompensado, mas o livro é mais procurado por pessoas que me conhecem mas que vivem fora da cidade por diversos motivos do que pelas pessoas que cá estão. No entanto, faço isto porque gosto, não ganho dinheiro com os livros e tudo que ganho é para voltar a investir. Passo inúmeras horas do meu tempo disponível a pesquisar sobre Lamego e a sua história, que são um dos meus maiores interesses. Dou mais livros do que aqueles que vendo ma é também uma forma de divulgar a cidade de Lamego.
Qual é a importância do livro para a cidade e também para a região?
Toda a gente sabe que Lamego é uma cidade antiquíssima, sabe-se que a cidade foi criada muito antes do condado portucalense, mas na realidade não se sabe qual foi o núcleo inicial. Do ponto de vista religioso, monumental, histórico e enquanto cidade inserida no Douro tem uma importância extrema, sendo a mais importante cidade do Douro.