
O meu primeiro encontro com o Dr. Mário Soares foi 1986, durante o primeiro ano de exercício do seu primeiro mandato presidencial. Retive dessa visita alguns episódios que me revelaram a personalidade inesquecível, que voltei depois a encontrar inúmeras vezes. Esses contactos posteriores muito contribuíram para que o respeitasse como uma das grandes figuras da nossa democracia e da história contemporânea portuguesa. Hoje, porém, mais do que dar um testemunho pessoal, gostaria de traduzir a sensibilidade que colhi desses primeiros momentos. Mário Soares revelava facilmente os seus atributos de estadista e político, mas também o de homem sensível e afectivo, capaz de compreender os problema do seu tempo e do seu país.
Ao tomar a iniciativa das presidências abertas Mário Soares quis dar um duplo sinal: que se interessava pelos problemas do país real, em especial dos territórios mais periféricas, mas que também se preocupava com a coesão social no País e com os desafios do desenvolvimento. Assim, decidiu que a região de Trás-os-Montes e Alto Douro seria um dos primeiros destinos.
É importante recordar que, em 1986, fazer o trajecto entre o Porto e Bragança reclamava sete horas de viagem. Esta região simbolizava no imaginário dos portugueses o isolamento, fazendo despertar nos políticos mais facilmente sentimentos de comiseração do que vontade de contrariar essa incontornável tendência do destino.
Mário Soares percebeu isso bem e fez questão de no programa da visita integrar momentos relevantes em domínios muito diferentes. A titulo de exemplo, valorizou a iniciativa empresarial, visitando o NERBA – Núcleo Empresarial de Bragança – onde se inteirou das dinâmicas económicas locais. Tentou contrariar a ameaça de encerramento de parte final da linha do Douro, percorrendo de comboio o troço condenado entre o Pocinho e Barca de Alva, o que qualquer político prudente teria evitado fazer. Chamou a atenção para os vultos culturais que marcaram o Douro, num jantar na Casa de Tormes, onde deu visibilidade à criação da Fundação Eça de Queiroz.
Porém o que mais me marcou foi um gesto simples mas significativo. Mário Soares queria dar visibilidade á paisagem cultural do Douro. Escolheu o promontório de São Salvador do Mundo. Era um fim de tarde quente. A comitiva atrasou-se e algumas dezenas de pessoas locais, sentadas sob o arvoredo, esperavam pacientemente a chegada do Presidente àquele sítio tão telúrico como pouco acessível. Havia duas mesas de pinho onde uma merenda simples o esperava. Quando Mário Soares finalmente aparece, visivelmente cansado, a primeira coisa que faz é aproximar-se das mesas, pegar em dois pratinhos com croquetes e rissóis e começar a oferecê-los àquelas pessoas que pacientemente o aguardavam. Paulo Vallada, que comigo também o esperava, comentou-me: – “Repare na sageza deste homem. O que é que esta gente vai reter deste episódio? Que o Presidente antes de tratar em si, pensou neles”.
Mário Soares foi um lutador e estamos-lhe gratos por isso. Mas era também humano e sensível. Por isso o estimámos e o por isso sempre o recordaremos.